INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS SAGRADOS

Extraído do livro INTRODUÇÃO À EXEGESE
Um GUia Contemporâneo para ainterpretação de textos BíBliCos Anderson de Oliveira Lima

Geralmente a exegese é definida nos manuais comoo estudo científico da Bíblia, um apanhado de métodos que são aplicados à literatura bíblica a fim deinterpretá-la e se aproximar do sentido que o própriotexto pretende comunicar. Essa ciência, todavia, é recenteem comparação com a idade de seu objeto de estudo; costuma-se dizer que a exegese bíblica como a concebemos hoje têm suas origens na Reforma Protestante e no Renascimento, quando em oposição às leituras alegorizadas que prevaleceram até o final da Idade Média impôs-se a necessidade de estudar as “Escrituras Sagradas” para extrair delas seu sentido literal.
Nesse momento, em que o apreço pela ciência superava a devoção religiosa, até mesmo a Bíblia deveria comunicar seu conteúdo por meio racionais, e a consequência deste período de transição seria o estabelecimento já pelo século XVIII do que chamamos de Método Histórico-Crítico, filho do Iluminismo alemão (Volkmann, 1992, p.
26-29).Mas as coisas mudaram, e hoje, se queremos chamar exegetas de cientistas é preciso dizer que ela só pode ser uma ciência humana, o que é um postulado de importan- tes implicações. Está claro que os métodos da exegese são abertos, que haverá sempre incontáveis variações no modo como os aplica- mos. Depois, se os métodos podem varias, também os resultados da exegese não se repetem, e são incapazes de dar origens a leis es- táveis como na física. A maior prova disso é que os exegetas
dificil- mente se reconhecem plenamente nas interpretações dos outros, sentido sempre a necessidade de lidar por si mesmo com o texto. Além disso, convém dizer que o ato de interpretar um texto nos obriga a investigar as diferentes possibilidades que este encerra e fazer escolhas, e por isso a cada palavra interpretada a exegese pode deixar várias outras possibilidades não exploradas. Já ficou para trás o tempo em que se acreditava que a exegese como ciência seria capaz de descobrir o único e verdadeiro sentido de um texto; não há dúvidas de que o intérprete, ao aproximar-se do texto, impõem-lhe uma série de pressupostos e sentidos pessoais, que influenciam a interpretação e tornam cada exegese um trabalho de certa forma artístico e pessoal.
Mesmo assim, a tarefa da exegese não deixou de ter grande importância para que o texto fale mais ao leitor do que o leitor ao texto, um alvo que todo intérprete ainda busca alcançar. Ela con- tinua sendo uma ciência, mas assumiu com transparência sua limi- tação. Quiçá devamos admitir que grande parte dos exegetas nun- ca foram capazes de abandonar
parte da herança fundamentalista, aquela que os ensinou a amar os textos da antiguidade (especial- mente os que adquiriram o status de textos sagrados) e assim nos conduziu a esta ciência da interpretação.
Julgamos que para falar de exegese de uma forma relevante para o leitor brasileiro, não podemos nos limitar a discutir méto- dos, é também necessário discutir os pressupostos que estão por trás dos métodos e que passam por constantes transformações; é preciso quebrar antigos paradigmas do fundamentalismo religioso e do positivismo acadêmico que por aqui ainda condicionam o modo como grande parte dos brasileiros lêem a Bíblia, e assimilar recursos oriundos de outras disciplinas como a historiografia e a linguística, que trilham caminhos evolutivos similares aos da exe- gese bíblica sem estarem presos às ortodoxias.
Tudo isso deve ser feito sem deixar de considerar que a maior parte do público inte- ressado na exegese é religioso, leigo nesta disciplina, e lida com os textos bíblicos pensando acima de tudo em sua aplicabilidade na vida de comunidades que têm a Bíblia e a fé como os elementos que os reúnem e identificam.
Nestas páginas vamos iniciar um novo desafio para contri- buir a nosso modo no desenvolvimento, divulgação e aprendiza- do da exegese bíblica.
O desafio é o de enumerar os passos meto- dológicos que costumamos aplicar em nossos próprios trabalhos, e fornecer assim um breve curso de exegese para iniciantes e ini- ciados, um cronograma prático (ou pelo menos não tão teórico quanto a maioria dos manuais tradicionais) para que o leitor também possa aplicar tal metodologia às suas próprias leituras. A ideia surgiu da necessidade de formatar por escrito aquilo que já falávamos e praticávamos em nossas exegeses e na prática peda- gógica. Aos poucos, notamos que os manuais de exegese que in- dicávamos já não eram lidos na íntegra, que alguns capítulos eram saltados, ou lidos com ressalvas, e mesmo assim julgávamos haver lacunas, que tentávamos preencher com enxertos de outros livros. Este nosso breve guia para a exegese, portanto, nasceu gradualmente e naturalmente, e gostaríamos de transmitir essa mesma naturalidade às nossas páginas.
Claro que todo autor de um novo trabalho de características científicas cujo tema não é inédito, pensa estar contribuindo de alguma forma para sua área de conhecimento (com exceção daque- les que realmente publicam novos volumes pensando nas vendas, o que não deveria ser o caso de alguém que escreve sobre exegese bíblica). Esta é também a nossa impressão. O cronograma que abaixo propomos nos parece abrangente e didático. Fizemos o que foi possível para compô-lo numa linguagem coloquial, com o in- tuito de que ele pudesse ser usado em outros cursos de teologia ou por interessados na exegese. Em resumo, propomos ao leitor três momentos de análise, três olhares diferentes que se
complemen- tam. O primeiro é estrutural, voltado para a forma que o texto recebeu; o segundo olhar é para seu conteúdo interno, e o terceiro é um olhar extratextual, para que o mundo do texto nos ajude a entendê-lo. Há também um capítulo introdutório, que vai ensinar a escolher e preparar um texto para a exegese, e um capítulo final que trata da atualização de conteúdo, para aqueles que possuem interesses práticos ou eclesiais. Claro que cada um desses momen- tos se dividem em vários outros, mas pensar dessa maneira já nos parece um meio de resumir o conteúdo do livro e da exegese, fa- zendo-a mais lógica.
Nossos métodos, sem dúvida, estão sempre se aperfeiçoando, e com eles este trabalho, que já passou por algumas reescritas. Mas a divulgação se deu neste estágio de seu desenvolvimento porque ele já tem se mostrado útil para o ensino e aprendizagem, e porque nossas próprias necessidades de tê-lo em mãos também cresceram. Se há uma particularidade que gostaríamos de destacar neste, é que para fazê-lo mais inteligível, procuramos sempre que possível ofe- recer ao leitor o olhar de um escritor; queremos que o intérprete não apenas decore métodos, mas que entenda como se deu o pro- cesso de composição do texto, para que o processo inverso, que é o de “descompor” o texto e refazê-lo com nossas próprias palavras, se faça mais intuitivo e dinâmico.
Este guia também se caracteriza pela multiplicidade metodo- lógica, isto é, não assumimos compromisso com qualquer método ou escola, o que pode ser um sinal de indefinição para alguns lei- tores. Entretanto, não vemos razão para escolher apenas uma den- tre as diferentes linhas interpretativas, e a nosso modo vamos in- tercalando conceitos e métodos diversos, a fim de oferecer o melhor guia possível, ou ao menos, o que se mostrou mais útil em nossa própria atividade. Com este trabalho não queremos dizer, nem indiretamente, que os demais manuais de exegese publicados são ruins e que merecem ser substituídos ou esquecidos nas estantes; pelo contrário, estaremos sempre nos baseando nas leituras que fizemos, principalmente em Uwe Wegner (1998), Robert Alter (2007), Daniel Marguerat e Yvan Bouquin (2009), José Luiz Fio- rin (2005) e Júlio P. T. Zabatiero (2007). Estes e outros trabalhos que citaremos sobre a exegese bíblica e sobre a aplicação dos con- ceitos de teoria literária aplicados à análise da Bíblia, são heranças que não podemos ignorar, e ao citá-los, temos também a intenção de indicar um caminho para o possível aperfeiçoamento dos leito- res mais interessados.
Assim, iniciamos este curso dizendo que cada capítulo trará uma definição bem resumida e prosaica de alguns passos exegéti- cos, e caso o leitor seja um estudante de exegese que não o esteja manuseando sob a orientação de um professor, o ideal é que este leitor autodidata que está sendo introduzido na exegese crie seus próprios exercícios, aplicando cada um dos passos a um ou mais textos de sua escolha durante a leitura.
Aos professores, que obviamente utilizarão este trabalho com liberdade, temos que mencionar outra particularidade: Para que os princípios metodológicos explanados sejam mais bem assimilados pelo leitor, é imprescindível que o autor de um guia para o apren- dizado da exegese se utilize de muitos exemplos. Alguns autores tomaram a decisão de escolher um ou dois textos bíblicos e desen- volver a exegese destes gradualmente, aplicando um a um os passos metodológicos abordados no manual. Esta é uma forma didática, sem dúvida, mas não é a que adotaremos aqui. Decidimos utilizar exemplos diversificados, aplicar os métodos a textos diferentes a cada capítulo. É provável que algum prejuízo decorra desta esco- lha, mas julgamos que assim poderíamos oferecer exemplos mais eficazes. Acontece que na prática, a cada texto o exegeta elege al- guns dos passos metodológicos e os aplica, mas descarta outros ao notar que estes não darão grande contribuição neste caso específi- co. Ou seja, a diversidade de métodos nos oferece recursos para uma grande diversidade de textos, mas é natural que cada texto peça ao exegeta a aplicação mais efetiva de um ou outro desses métodos. Por isso, selecionamos exemplos em que o último passo exegético explanado seja bem aplicado, o que nos deu a oportuni- dade de aproveitar nossa experiência e trazer de volta conteúdos já trabalhados no passado.
Sabemos que este manual não é definitivo, e que nós mesmos provavelmente sentiremos o desejo de refazê-lo nalgum momento futuro de nossa carreira. Sem dúvidas outros livros virão, falando de exegese, de métodos, e desse trabalho, esperamos. No entanto, nossa expectativa é a de que alguém se beneficie desta produção, seja uma geração inteira de estudiosos da literatura bíblica, seja um país, uma escola, uma sala de aula, ou uma pessoa, que provavel- mente será seu autor, que estudou um pouco mais de exegese en- quanto o produzia.

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