DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Extraído do livro CRISTIANISMO:A RELIGIÃO DO DIÁLOGO de JOSÉ NEIVALDO DE SOUZA

Os tempos atuais estão longe de parecerem para seus contemporâneos um exemplo de tolerância, respeito, reconhecimento e boa convivência entre algumas pessoas que se identificam como religiosas.
Certamente, há excelentes iniciativas, sejam de instituições ou da cidadania, que demonstram um grande esforço a favor de uma cultura de diálogo entre as tradições e indivíduos religiosos. Estas iniciativas, que não são poucas, no entanto, vêm sendo ofuscadas por golpes cotidianos a um princípio que é fundamental e inegociável para as sociedades democráticas, ou seja, o convívio com a diversidade e a pluralidade de culturas e modos de vida.
Vivemos um tempo plural e esta é a marca de nossaépoca. Obviamente, a diversidade não surge nos dois últimos séculos como uma novidade ou um evento epocal. Contudo, pode-se dizer que emerge, desse nosso momento histórico, nas sociedades ocidentalizadas, a consciência dessa realidade da diversidade e da pluralidade. Estar ciente da pluralidade implica a maior de todas as transformações recentes que a humanidade deve enfrentar. O plural se sobrepõe à singularidade, a diferença se sobrepõe à identidade. Singularidade e identidade apenas as concebemos se abertas à consciência da pluralidade e da diferença que tudo atravessa. As cosmovisões estão agora marcadas por esse novo princípio e uma grande política para este novo contexto se
faz necessária, abarcando os campos da educação, da gestão, enfim, da cultura. A crença no fundamento estável, tomado como uno, eterno e imutável está desacreditada em sua capacidade de ser o balizadora e o articuladora das concepções acerca da vida, do mundo e, por certo, isso afeta as religiões. A humanidade tem de seguir sua peculiar jornada sem as seguranças dessa crença básica de outrora.
Suponho por sabido que o projeto da cultura ocidental se esforçou para
impor essa crença na existência de fundamentos estáveis, imutáveis e eternos. Em termos mais gerais, a busca por uma verdade tomada como absoluta já viveu, enquanto padrão cultural, filosófica e religiosamente falando, seus dias de glória. Os valores, as religiões, a política e todos os processos concernentes a esses mecanismos de administração da vida nos foram apresentados como possíveis sob essa base de estabilidade fictícia, embora desejada, apenas acreditada como condição para que um projeto de cultura se estruturasse. Somos gratos aos esforços e aos benefícios que esse projeto produziu e as ameaças de dissolução que ele procurou combater. No caso dos discursos das religiões, com suas crenças, suas narrativas, suas práticas e suas instituições, esse credo da unidade, da estabilidade e da verdade supramundana, foi um eficiente aliado desse monumental projeto de dominação.
Igualmente reconhece-se que esta orientação hegemônica nunca foi absolutamente dominante. Nos interstícios de nossa história, sempre houve vozes dissonantes dessa cantilena metafísica. Em nossa época, o que sugerem os movimentos contrários a esse projeto
hegemônico, evidencia-se uma outra dimensão. Ela aponta para a
vitalidade da diferença, da diversidade e da pluralidade em um mundo que não oferece nenhuma certeza, qualquer estabilidade ou perenidade. Nem instituições, nem verdades, nem valores estão subjugados à crença da unidade, da permanência ou da imutabilidade. Tudo é processo, transformação, deliberação.
Desse lugar, que é uma perspectiva de leitura de nossa época, pode-se receber com frequência o questionamento sobre as razões da intolerância, os motivos do fundamentalismo ou as causas dos radicalismos. Desse lugar e dessa perspectiva o que se pode esboçar como hipótese é que esses acontecimentos expressam a mais dura reação ao cenário de incertezas que a descoberta da “verdade” do mundo revela. O mundo de certezas ruiu e todo o processo de construção de referências necessárias, sentidos ou horizontes ético-políticos se revela aberto e, por dizer claramente, em construção. E mais se aproxima dessa “verdade” aqueles e aquelas que a compreendem como processo sempre inacabado.Sem que se leve em conta esse novo contexto de verdades abertas e em construção, acordos frágeis e sempre necessários, não será possível pensar em diálogo possível entre pessoas e instituições religiosas. Cada qual, com sua concepção sobre o mundo, sobre os seres humanos, sobre os horizontes de sentido, ou se assume como um horizonte de possibilidade ou há pouco mais para se fazer. A cultura contemporânea, o que nos abre de valiosa perspectiva, é que cada ente significador de mundos e verdades deve ser tomado como um ponto de partida, um lance, um olhar. Assim o são os indivíduos, os povos, as culturas e as religiões. Que não se engane quem entreveja
neste modo de reconhecer nossa época qualquer ingenuidade, porque, como tudo nesta vida, também a cultura que faz reconhecer o valor da diferença e da pluralidade implica o desafio de administrar os bens e os serviços materiais e imateriais da humanidade. A política necessária a este nosso tempo não pode se furtar ao permanente debate que envolve maiorias e minorias.
Considerando a nossa cultura como tendo nascido e se constituído no horizonte da experiência cristã, é salutar perguntar pelo papel que esta tradição cultural deve exercer na construção de uma cultura de tolerância, diálogo e respeito. Pode ser o cristianismo uma religião de diálogo? É possível criar, e em que bases instituir, uma cultura com tão elevado princípio?
Em Cristianismo: a religião do diálogo, do teólogo José Neivaldo de Souza, o que se apresenta já a partir do seu título é uma proposta, mais do que um apriori. Ela tem o mérito de traduzir para o grande público, as linhas gerais de um grande debate acadêmico e institucional acerca dos princípios e limites do diálogo entre as religiões e, no caso do cristianismo, entre as Igrejas. O autor parte do reconhecimento da diversidade religiosa como um fato e um valor, não desconsidera os grandes limites e embates, mas, sobretudo, reforça as possibilidades teórico-práticas de uma postura favorável ao diálogo que considera a diversidade, mas que busca a unidade.
Como afirma o teólogo, a obra se propõe a resgatar os valores de fé, diálogo e amor através de uma interpretação objetiva das possibilidades de uma cultura de tolerância e respeito face à pluralidade religiosa. A pergunta que rege o presente texto, e que
não deve fugir da consideração do leitor está disposta em duas partes. Por um lado, o fio condutor do livro está ligado à questão do papel que exerce as religiões na promoção do diálogo e, por outro lado, a questão mais subjetiva, no campo das motivações pessoais, que levam pessoas a se unirem por ideais e ideias convergentes entre divergências.
O autor corretamente sugere que não se trata de uma obra analítica, tampouco deveria ser tomada como um manual para orientar o
debate sobre o tema do diálogo ecumênico ou inter-religioso. A obra quer ser indutora de uma atitude, de natureza prático-política, um chamamento ao fomento de uma nova cultura. José Neivaldo defende que essa nova cultura deve se caracterizar por uma nova postura, de abertura ao diferente sem perdas para as respectivas identidades, para que seja possível transformar ódio em amor, intolerância em compreensão e preconceito em respeito.
Muitos são os desafios que esse projeto precisa enfrentar, e o autor não os trata com ingenuidade. Postula- se no presente trabalho,
como enfrentamento desses desafios, compreender a transcendência como abertuta entre o “já” e o “ainda não”, seja nas religiões de revelação, quando nas religiões humanistas – classificação que o autor toma de empréstimo de E. Fromm. Além disso, outro reconhecimento importante e desafiador que o autor destaca diz respeito ao reconhecimento da religião como meio e não como fim. As religiões são reconhecidas no texto que segue como releitura dos testemunhos e dos testamentos que possui e, como tal, seu papel fundamental é o de mediação. Por fim, o teólogo fala para sua própria tradição ao evocar que o cristianismo tem a responsabilidade de ser a religião do diálogo, tomando este como expressão mais clara do mandamento do amor. Tal mandamento se constitui, segundo o autor, em experiência única e incondicional, que se comunica em virtudes de compaixão, tolerância e, além disso, busca da excelência humana. Esta síntese, José Neivaldo a constrói na releitura das Escrituras, dos documentos das comunidades religiosas que são aqui tratadas, bem como de seus autores consagrados, assim como da leitura de pensadores de nossa época, sejam eles crentes ou não crentes.
Convido o leitor a acompanhar as inquietações de José Neivaldo nesta obra, com atenção especial à sua proposta de que o amor seja norteador do diálogo entre cristãos e não cristãos, crentes e não crentes. Da parte do nosso amigo teólogo não há uma resposta pronta, sequer uma hipótese. De sua parte, o que faz o autor é apostar em que o amor seja capaz de implantar um reino de diálogo e acolhida.

Iluminando Mentes, Transformando Vidas.

Ibrateo

Cursos

Graduação (Em Breve)

Suporte

Politicas

Termos

Política de Privacidade

Condições

© 2023 Desenvolvido por Ibrateo